Série “Mitos sobre o bilinguismo”: Mito 4

O contato com duas línguas desde o nascimento pode trazer problemas para o desenvolvimento linguístico da criança (3)

 

Sua filha fala português super bem, mas, de vez em quando, esquece como se fala essa ou aquela palavra, então fala em inglês. Seu filho tem uma pronúncia no português que é uma coisa linda de se ouvir, mas você nota o sotaque alemão. Você já consegue se comunicar com todo mundo sem qualquer dificuldade, mas entender totalmente aquele debate político na televisão ainda é um desafio. São inúmeras as diferenças entre o chamado “falante nativo” e aquele que adquiriu/aprendeu, por exemplo, o português morando fora do Brasil (o caso dos filhos nascidos no exterior) ou o inglês/o alemão/o francês/etc. como segunda língua (o caso de adultos que se mudaram para outro país). Se estamos longe de falar a língua tão bem como um “falante nativo”, então não podemos nos considerar bilíngues?

Para responder a essa questão, preciso explorar dois pontos: o conceito de bilinguismo e o termo “falante nativo”. Como já mencionamos aqui, o bilinguismo deve ser encarado como um conceito que envolve diferentes níveis de competência linguística e não como um conceito fechado, preto e branco. O que existem são nuances, ou seja, diferentes graus de proficiência. É importante entender que a aquisição de uma língua é um processo. Mesmo os chamados “falantes nativos” estão em processo de aquisição de sua língua. Você conhece alguém que saiba tudo, absolutamente TODAS as palavras, TODOS os significados, TODAS as regras, TODOS os contextos de uso de todas as palavras em uma língua? É impossível. Por um simples motivo: as próprias línguas estão em constante mudança. Língua não é produto acabado. É um conjunto de símbolos em constante mutação, influenciado por forças sociais, culturais, cognitivas.

Por esse e outros motivos, fica complicado insistir na dicotomia entre “falante nativo” e “falante não nativo”. Os limites entre esses conceitos são bem menos fixos do que a gente pode imaginar. Que tal encarar a questão de outra forma? Ao invés de insistir em comparar as proficiências de indivíduos cujas histórias de vida são completamente diferentes, que tal focarmos nas conquistas e dificuldades de cada caso? Cada processo de aquisição é especial e único. Nunca encontraremos uma jornada que tenha sido idêntica a outra, vivenciada por outra pessoa. Se isso não é lindo, eu não sei o que é. Ótima semana, pessoal!

 

 

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