Texto publicado no Instagram em 9 de março de 2020

Esse termo um pouco estranho, formado por três conceitos que parecem não ter uma relação muito próxima entre si (política, língua e família), é muito presente nos estudos e pesquisas sobre o bilinguismo. Mas o que ele significa e por que ele é importante para quem está criando uma criança bilíngue? Vamos entender?
A política linguística familiar tem a ver com as crenças, ideologias, acordos e práticas que os membros de uma família têm em relação às línguas com as quais eles convivem. Por exemplo, se os pais têm crenças infundadas sobre o bilinguismo, acreditam em mitos – para quem ainda não viu, temos vários posts aqui sobre os maiores mitos do bilinguismo –, isso vai influenciar os acordos e as práticas linguísticas dessa família que pode, em alguns casos, chegar a desistir do bilinguismo por achar, por exemplo, que é possível que a aquisição de uma língua prejudique a aquisição de outra.
Da mesma forma, se faz parte da ideologia de uma família a ideia de que algumas línguas e culturas são superiores a outras, isso terá consequências na prática. Essas ideias, geralmente, são inconscientes. Uma criança ou um adolescente, por exemplo, que ouve adultos a sua volta falando mal frequentemente do Brasil vai, mais cedo ou mais tarde, perder o interesse pelo português. Para que aprender a língua de um país que os outros parecem só rebaixar e cuja cultura ninguém se preocupou em apresentar para mim?
Uma política linguística familiar também inclui os acordos estabelecidos entre os membros de uma família: quais línguas são faladas por cada pessoa, em cada contexto e em cada lugar? Com a mamãe, é português. Sempre? Com o papai, é alemão. Na escolinha, também. Em casa, são as duas. Sempre? E na rua? E quando tem visita em casa? E com a minha irmãzinha e/ou o meu irmãozinho? Os acordos são tantos e, quase sempre, são estabelecidos inconscientemente. Não se discute muito sobre eles. Eles acontecem.
Toda família tem, estando ou não consciente disso, uma política linguística familiar. Refletir sobre isso é TÃO importante. É só a partir dessa reflexão, que podemos tornar conscientes as nossas crenças, ideologias, acordos e práticas. (Continua nos comentários 👇🏻)34 Wo.
E, então, podemos lidar com elas, transformá-las como acharmos melhor e aproximá-las mais daquilo que queremos para nosso filho.
Como, na prática, tudo é muito mais heterogêneo e complexo, precisamos deixar bem claro para nós mesmas: 1. No que eu acredito? Minhas crenças sobre o bilinguismo são baseadas em leituras sérias sobre o assunto ou no que eu ouvi falar? 2. Eu acredito realmente que não haja línguas e culturas superiores a outras ou sinto que minhas raízes são, em alguma medida, inferiores às do país para onde me mudei? 3. Eu faço de tudo para seguir os acordos que estabeleci com a minha família sobre quais línguas vamos usar nos diferentes momentos e lugares?
Perfeição não existe. Especialmente quando você está com um bebê chorando no quarto, o outro filho correndo pela casa e outro te fazendo perguntas, tudo isso em um horário que, de acordo com o que você tinha lindamente planejado, estaria todo mundo dormindo. Não dá para seguir nenhum plano à risca, sem desvio nenhum. Mas estarmos conscientes do que estamos fazendo e termos um plano é essencial. Só assim podemos melhorar sempre.
Escrito por Priscilla Nogueira