Mas, afinal, o que é ser bilíngue?

Bilingual_kid

No último post da Ana, a gente pôde acompanhar um pouco da sua história com a língua alemã e pensar sobre como são diversos e interessantes os caminhos que levam um indivíduo a aprender uma outra língua e tornar-se bilíngue. E como são frequentes histórias assim!

Ao contrário do que se poderia imaginar, o bilinguismo é um fenômeno muito mais comum do que o monolinguismo. Fishman (1970) indicou, à época, que mais da metade da população mundial já usava mais de uma língua para se engajar nas atividades básicas às necessidades humanas. Em muitas sociedades, – por exemplo, Nova Guiné, África, Índia, sudeste da Ásia – há muito tempo o bilinguismo não é considerado exceção, mas, sim, regra.

Mas, afinal, o que é ser bilíngue? Como podemos classificar um indivíduo como bilíngue? Quem, por exemplo, nunca morou em outro país e aprendeu uma língua estrangeira em um curso de idiomas ou na escola é considerado bilíngue? E quem não fala perfeitamente duas línguas? Também é bilíngue?

Vários autores dedicaram-se à definição de bilinguismo. Macnamara (1967), por exemplo, define bilíngues como aqueles que possuem pelo menos uma das habilidades linguísticas (ouvir, falar, ler e escrever) em uma segunda língua, mesmo que a um grau mínimo. Em um lado oposto da escala, Oestreicher (1974) considera bilíngues somente aqueles que dominam completamente duas línguas, sem qualquer interferência entre os dois processos linguísticos, enquanto Bloomfield (1933), ainda mais severamente, define bilinguismo como a posse de controle de duas ou mais línguas como um nativo teria.

Nós acreditamos, porém, que seja essencial considerar o bilinguismo como um conceito que envolve diferentes níveis de competência linguística e respeitar a imensa diversidade entre os aprendizes de duas línguas, cujas habilidades serão determinadas por uma infinidade de diversos fatores linguísticos e não linguísticos. Saunders (1988:8) afirmou, nesse sentido:

Bilíngues podem ser dispostos ao longo de um continuum a partir do equilíngue raro, que é indistinguível de um falante nativo em ambas as línguas, em um extremo, até uma pessoa que acaba de começar a adquirir uma segunda língua, em outro extremo. Eles são todos bilíngues, mas possuem diferentes graus de bilinguismo.

É bastante importante ressaltar que um falante bilíngue não é dois falantes monolíngues em uma pessoa (Meisel, 2006). É esperado, portanto, que o desenvolvimento de aquisição da língua portuguesa por uma criança nascida ou que mora fora do Brasil, ou seja, uma criança bilíngue, seja diferente daquele de uma criança monolíngue de idade semelhante (Rothman, 2009). Além disso, no que diz respeito às habilidades linguísticas diferenciadas em relação às duas línguas, espera-se que as crianças bilíngues não se comuniquem, necessariamente, igualmente bem nas duas línguas (De Houwer, 2009).

Também precisamos lembrar que, apesar de ser possível atingirem-se habilidades equivalentes nas duas línguas, é difícil que os indivíduos tenham acesso aos mesmos tipos de interação e mesmos contextos nas duas línguas (Váldes, 2001). Ou seja, eles não têm as mesmas oportunidades de uso das duas línguas para desempenhar as mesmas funções com as pessoas com quem interagem. Por isso, é comum a gente observar crianças que falam melhor sobre alguns temas em uma língua e sobre outros, em outra, e crianças que misturam as línguas em uma mesma frase. O importante é manter em mente que isso é esperado e considerado mais do que normal! As línguas estão em processo de desenvolvimento e serão adquiridas completamente se os estímulos e as oportunidades de uso forem mantidos! Ou seja, depende de nós apoiá-los nessa empreitada! =D

E a experiência de vocês, como é? Seus filhos usam uma língua para falar sobre certas coisas e outra língua para falar sobre outras? O bilinguismo é sempre tão interessante e as possibilidades são tantas! Contem para a gente como é com vocês!

Nesse vídeo fofo, o priminho do Oli – que tem mamãe americana e papai brasileiro – chama pela sua mamãe em duas línguas. Um bilíngue gracinha!

Escrito por Pri

Neste post, foram citadas as seguintes obras:

BLOOMFIELD, L. Language. Holt, Rinehart and Winston: New York, 1933.DE HOUWER, A. Bilingual first language acquisition. Bristol: Multilingual Matters, 2009.

FISHMAN, J. Sociolinguistics: A brief introduction. Boston: Newbury House, 1970.

MACNAMARA, J. Problems of bilingualism. Journal of Social Issues. Special Issue 23, 1967.

MEISEL, J. M. The bilingual child. In: T.K. Bhatia & W. C. Ritchie (Eds.) The Handbook of Bilingualism. Oxford: Blackwell, 2006. (pp. 91-113)

OEISTREICHER, J. P. The early teaching of a modern language. In: Review of the Council for Cultural Cooperation of the Council of Europe 24, 1974. (pp. 9-16)

ROTHMAN, J. Understanding the nature and outcomes of early bilingualism: Romance languages as heritage languages. In: International Journal of Bilingualism, 13, 2009. (pp. 155-163).

SAUNDERS, G. Bilingual Children: from birth to teens. 2nd ed. Multilingual matters: Clevedon, 1988.

VALDÉS, G. Heritage language students: Profiles and possibilities. In: J. K. Peyton & S. McGinnis (Eds.) Heritage Language in America: Blueprint for the Future.Washington, DC and McHenry, IL: Center for Applied Linguistics and Delta Systems, 2001. (pp. 37-77)

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